22 de abril de 2008

Um corpo que cai.


Estou, neste momento, inaugurando uma nova seção aqui na Toca. Trata-se, como diz o título-mais-óbvio-impossível, de algum caso com relevância jurídica, ou não, que me interessou de alguma maneira e eu gostaria de comentar alguns fatos ao caso relacionados. É, eu sei que não é nenhuma novidade isso, pois eu já fiz algo parecido no post sobre os bandidos que invadem prédios públicos. A diferença é que, agora, isso vai ser uma espécie de coluna fixa e periódica, embora não seja possível determinar a freqüência da mesma.

O caso de hoje (parece introdução ao Linha Direta, eu sei, não foi proposital) é o famosíssimo caso Isabela (ou Isabella, ou Isabele, ou Isabelle, tanto faz, vocês sabem quem é, ou foi...). Então, esse é um caso legal, não só porque está dando um certo trabalho para os advogados, mas por tudo o que acompanha o caso, como a super-exposição da família, os repórteres tumultuando tudo e a burrice comum ao brasileiro, tratando tudo como se fosse sua novela preferida.

Vamos por partes, como poderia dizer o Dr. Farah (bem lembrado: o caso Jorge Farah também é divertido e talvez mereça aparecer por aqui, um dia). Continuando, vamos falar da exposição da família na mídia e, ao mesmo tempo tudo junto, dos repórteres tumultuando tudo. Isso, claro, no próximo parágrafo, ou este aqui corre o riso de ficar titânico. Então mexa na rodinha do mouse, faz favor.

Bem vindos a este parágrafo! Todo mundo sabe, ou deveria saber, que nossa Constituição Federal (CF) garante a todos (ouviram bem: a TODOS) o direito à imagem e à intimidade. Só pelo que eu disse até aqui já dá para achar alguns pequenos deslizes que acompanham o caso da guria que virou notícia e que todo mundo tá com peninha dela, tadinha. Em algum momento a família Nardoni teve algum sossego, desde o passamento da menina? Os malditos dos repórteres estão em cima deles o tempo todo, na porta do prédio onde se deu o ocorrido, na porta da delegacia, onde quer que eles tentem ir, lá está um desses expemplares de que a natureza, ao contrário do que Darwin acreditava, não é perfeita.

Apesar de nossa CF nos conceder certos direitos, tem gente que não tem a menor noção de respeito e acaba violando os mesmos. É inadmissível o que acontece frente à delegacia. Aquele bando de sanguessugas na porta barrando a passagem do casal que tem que ir lá dentro prestar depoimento é abominável. Se eu estou no lugar do depoente, já chegaria acompanhado de alguns amigos e baixando o pau nos fotógrafos, cameramen e qualquer um que quisesse se aproveitar da minha imagem sem minha autorização.

"Nossa, como você é troglodita! Vem cá, seu neanderthal, você já ouviu falar em liberdade de imprensa?"

Sim, ó pacóvio, já ouvi falar em liberdade de imprensa. Sabe o que eu acho? Uma tremenda de uma bosta. Não tenho nada contra quem quer veicular notícias. É um direito da população receber notícias e se manter informada do que está ocorrendo pelo mundo. Mas a sua liberdade de imprensa, como qualquer direito que exista, não é absoluto. O direito à informação não pode passar por cima do direito à imagem e à intimidade. Vocês, repórteres (que chamaria de filhos do demônio, caso eu acreditasse na existência do mesmo), estão violando um direito constitucionalmente garantido e, sendo eu o advogado do casal Nardoni, vocês já estariam pagando uma módica quantidade de dinheiros por devassar, sem nenhuma razão ou direito, a intimidade da família. E não me venha com "questão de relevância pública" que isso não cola e vocês não são o Poder Judiciário para resolver o que é ou não caso de desconsideração, em favor da coletividade, de alguns direitos individuais.

Bom, já falei um pouco do que penso acerca de dois aspectos do caso. Agora vem o mais divertido, que é xingar o povo brasileiro, um esporte que dá muito prazer e deveria ter até Copa do Mundo, ao invés dessa besteira de ficar vendo 22 manés correndo atrás de um objeto sem nenhuma utilidade prática, feito uns cachorrinhos brincando com o dono. Patético, esse negócio de futebol.

Mas sim, eu ia começar a falar mal do brasileiro. Então vamos lá. Brasileiro é um povo burro mesmo. E, confesso, não fiquei nada surpreso ao ver, em algum jornal televisivo qualquer, que um grupo de pessoas tentou invadir o prédio em que o casal Nardoni está hospedado. Não fiquei supreso, porque sei que tem gente que é tão estúpida que fica dando conselhos para os atores bonzinhos da sua novela preferida, confundindo, como só os otários conseguem, o ator e a personagem. Tem quem chegue ao absurdo de agredir o ator que representa o vilão de uma novela, tamanha é a incapacidade desta pessoa de separar a realidade da ficção. Um dia vou dedicar um post só a esse tema.

Para quem ainda não sabe do ocorrido, ontem um grupo de indivíduos (não tenho coragem de chamar tais animais de pessoas) tentou entrar no prédio onde se encontra o casal Nardoni pela garagem, aproveitando-se do momento em que um outro morador do prédio estava saindo. Isso sem falar dos inúmeros cartazes que outros elementos deixam pelo muro do prédio, dando ao porteiro e ao segurança do mesmo o trabalho extra de limpar a fachada do prédio que os medíocres fazem questão de sujar.

AÍ! Teve um grupo que tentou invadir um prédio particular para atacar o senhor Alexandre Nardoni! Sou eu, ou as pessoas estão gostando desse negócio de invadir os lugares, achando que estão certos? Não estão não! Quem entra em propriedade que não é sua sem autorização é bandido. Organizar um grupo para cometer crimes é formação de quadrilha. Tá lá no Código Penal, pode olhar.

"Ah, tio Lontra, mas no CP está escrito 'crimes'; eles só queriam cometer um crime, que é bater no Alexandre até ele ficar irreconhecível, então isso não é formação de quadrilha."

Como você é inteligente! Ô, anta, são pelo menos dois crimes envolvidos, ou você acha que eles vão ser convidados pela família a entrar? Lógico que não. Então estamos falando de uma invasão de propriedade privada e de um linchamento. São dois crimes, então se alguns bandidos se unem para cometê-los está caracterizada a formação de quadrilha. Ou grupo de extermínio, se eu fosse o Promotor do caso. Grupo de extermínio não tem certas regalias.

Vem cá! Algum dos envolvidos na invasão é parente da Isa? Acho que não. Então, oh, Senhor, o que é que esse povo tem a ver com o negócio? Por que é que não vão cuidar da própria vida?

A resposta (sim, é uma só) para essas perguntas é simples: porque brasileiro é burro. Mas não é burro "só triscando" não, como dizem por aqui. É um povo burro com força. Velho, acorda! Nem eu, nem você, nem ninguém tem nada a ver com isso. Você me viu fazer uma só crítica ao casal Nardoni neste texto? Não, porque eu não tenho nada para falar contra eles. São pessoas de bem e devem ser tratados como tal, pois isso é outro direito constitucionalmente garantido: o direito de não ser considerado culpado até o advento de sentença condenatória transitada em julgado.

"Ah, Lontra, mas a polícia já disse e já provou que foi o pai da menina que fez isso, então ele é culpado sim."

Não, ô sua mula, ainda não é culpado de coisa nenhuma. A CF diz claramente "após sentença transitada em julgado", o que quer dizer que tem que ter a Ação Penal ainda, o que nem começou. E não basta só isso. O juiz tem que declará-lo culpado e essa declaração tem que se tornar irrecorrível, só aí é que o réu de um processo pode ser tratado como culpado. Até lá, ele é inocente e é uma pessoa de bem, como já falei antes. Aqui não vale o popular "inocente até que se prove o contrário". A prova já está aí, mas nenhum juiz falou a respeito, então eles são inocentes.

Senhoras e senhores, tomem muito cuidado com o que vocês dizem por aí. Se algum de vocês disser "foi o pai que matou a menina" e o juiz (no caso, o júri) declará-lo inocente, você cometeu o crime de Calúnia, que é acusar alguém de ter cometido um crime que essa pessoa não cometeu. E você pode responder por isso penalmente e ainda ter que pagar uma indenização por danos morais, por chamar alguém inocente de criminoso.

Acho que é só (só, você diz?) isso. Comentem à vontade, mas não se esqueçam que os comentários aqui são moderados. Não, eu não vou censurar sua opinião (é, significa que você pode discordar de mim e até me xingar), mas vou censurar seu comentário se for muito ofensivo a outros comentaristas. É claro que eu estou supondo que alguém vá ler este texto, o que duvido, mas, se alguém o ler e quiser comentar, já estão avisados.

Marcadores: